13/06/2008

Fui criada em um sítio, com muita liberdade e cercada de natureza. Quando meu avô veio do Sul, casado com minha avó paraguaia, comprou um grande espaço onde fincou família e gerou seus filhos. E foram 22! Destes, somente 11 sobreviveram.

Cada filho tinha sua casa neste sítio, no lugar que sempre chamamos de 'vila'. Ali eu cresci, entre inúmeros pés de manga, abacate, jaca, abiu, carambola, amora, abacaxi, fruta-do-conde, goiaba, coco, limão, laranja e cana. Tinha também criação de porcos, perus, patos e galinhas.

Os dias eram deliciosamente aproveitados em brincadeiras entre primos e primas, o que, de vez em quando, acabava em briga. Coisas de crianças.

Tenho uma tia querida que não vejo já faz algum tempo, mas de quem guardo boas lembranças, pela sua alegria e generosidade. Quando pequenos, sempre que a carrocinha da Kibon passava na rua, a criançada fazia a festa. Ela não deixava de comprar picolés para todos.

Era comum ter vendedores ambulantes passando à nossa porta: o sorveteiro, o pipoqueiro que vinha tocando aquele sininho, o padeiro com sua inconfundível buzina, o leiteiro com o ranger da carroça, o amolador de facas e tesouras, com o canto agonizante do afiar, o vendedor de algodão-doce...

Nas férias escolares lá ia eu e meus pais para São Paulo, onde vivia a minha família materna. Lá fui apresentada ao 'carro da pamonha'. E sou traumatizada até hoje, porque minha mãe achava um absurdo eu não gostar de pamonha e me obrigou a comer por algumas vezes, até que eu descobri que me esconder naquela hora fatídica, sempre dava certo. Então, sempre que dava aquela hora da tarde, eu 'sumia' inexplicavelmente.

Meu avô tinha formação militar. Gaúcho, lindos olhos claros, rígido, porém de coração mole. Vestia-se à carater: bombacha, botas, camisas de mangas compridas muito alvas e abotoadas nos punhos e no colarinho. E um apito no pescoço. Era assim que ele comandava seus alunos, na escolinha que ele mantinha, do seu próprio bolso, para as crianças carentes do bairro.

Eu e meu primo éramos monitores da nossa turma. Tínhamos que usar um brochinho com uma estrelinha dourada e uma fitinha verde e amarela no bolso da blusa, como se fosse uma divisa militar. Eu ficava muito orgulhosa da minha 'posição', mas meu primo, quase sempre, esquecia a danada da medalha em casa.

Meu avô não tolerava insubordinação. Então, nesses horas de apuro, eu ficava na frente da fila das meninas e meu primo no final da fila dos meninos. Assim que meu avô passava a 'tropa' em revista, eu passava a medalhinha de mão em mão, até chegar ao meu primo, que rapidamente pregava a bendita no bolso.

Hino Nacional na entrada, Hino da Bandeira na hora do recreio, e Hino da Independência na hora da saída. Todo santo dia. Meninos de cabelos muito bem cortados e curtos, uniformes impecáveis e passados, meias e camisas muito brancos e asseio ao material escolar, que ele dava aos alunos. Essas eram as suas exigências em troca de tudo o que ele oferecia para as crianças pobres.

Mas, ao mesmo tempo que ele mantinha seu 'pelotão' ao som do apito, era um doce homem. Lembro-me com saudades das noites que passávamos sentados na varanda, escutando suas histórias e deliciando-nos com suas aulas de geografia, astrologia, história, tudo contado em tom de conversa, ao som do seu violão.

Quando já bem velhinho, éramos nós, os netos, que lhe calçávamos as botas. Ele jamais admitiu aparecer na frente das pessoas mal arrumado. O máximo que consegui ver diferente da bombacha, foi ele estar de pijamas, igualmente de mangas compridas e abotoados.

Minha avó era uma guerreira. Casou-se aos 12 anos, enganando o juiz de que já tinha 14 e chegou a ter dois filhos em um ano só. Mal o bacuri nascia, já estava ela na lida, na cozinha, no tanque e no ferro a carvão, passando as fardas engomadas do meu avô. E chorava quando, ao assoprar a brasa, alguma escapulia e sujava a roupa, que voltava imediatamente ao tanque, ao quarador, ao varal e ao ferro. E só parou de ter filhos quando o médico da família avisou: 'Dona Lopô, se a senhora tiver mais um filho, morre de anemia'. Parou nos 22, porque queria viver.

Minha infância não teve luxo: eram duas bonecas da Estrela por ano, no aniversário e no Natal. Roupas eram reaproveitadas das primas mais velhas, às vezes. Bicicletas, todos tínhamos, dadas pelo nosso avô. Quem não tinha bicicleta, tinha carrinho de pedalar ou velocípede.

Dormíamos com as portas abertas em dias de muito calor, quando não dormíamos nas varandas. Era tudo muito seguro e divertido: minha mãe colocava a TV na varanda, arrumava as camas no chão muito encerado e brilhante, fazia lanches e éramos felizes. Pobres, mas infinitamente felizes. Pena que a infância fica para trás.

Muitos sonhos não realizei. Não fiz uma faculdade, não tenho uma profissão, não tenho independência financeira, não tenho bens, mas não desisto de lutar. Por muitas vezes precisei de ajuda financeira de amigos e ainda hoje passo por muitas dificuldades. Acho mesmo que não se pede dinheiro emprestado para amigos. Das vezes que precisei, foi porque não tinha mais a quem recorrer. Ouvi alguns 'nãos'. Mas também conheci gente muito generosa.

E assim vou levando a vida. Fazendo desse meu espaço um momento de lazer, de desabafo, de alegria, de encantamento, de surpresas e de recordações. Sim, porque esse conversê todo foi por causa da tal pamonha que foi falada ontem no halos.

Afff...que história mais comprida!!!! Conseguiu chegar até o final? Então você é meu amigo e eu lhe agradeço por isso!

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