13/08/2008

Balada chinesa

Badalar à noite com uma credencial pendurada no pescoço não é algo muito indicado. Ainda mais se ela é do tamanho da usada pela organização olímpica, um plástico de 10 x 20 cm que fica na frente da barriga graças a suas alças amarelas. Ainda mais se o lugar do agito é o bar mais festejado pelos novos-ricos chineses, tão afeitos a um código de vestimenta baseado nos preços das grifes internacionais.

A única vantagem, ainda que duvidosa, é que você não precisa nem se apresentar, afinal, seu nome, função e foto estão estampados no crachá profissional. Mais chamativo que isso só a cabeça de rinoceronte em uma das paredes do Lan Club. Reduto dos chuppies (os "chinese yuppies"), seus descolados 6.000 metros quadrados foram tomados pela comitiva olímpica, deixando em minoria os freqüentadores habituais. Entram dirigentes espanhóis, belgas e dinamarqueses, saem o jet set local de celebridades do cinema, TV e moda.

É o lugar para ver e ser visto em Pequim. Isso se não for atrapalhado pela proliferação de objetos do local, obra do famoso designer francês Philippe Starck. Ele começou sua carreira decorando em 1982 a casa do presidente François Mitterand. Depois se projetou criando objetos como um espremedor de laranja que parecia um óvni ou uma cadeira em forma de dente.

Hoje, virou uma verdadeira grife, desenhando motos italianas, mouses para Microsoft e restaurantes e hotéis pelo mundo todo (no Brasil, assinou os interiores do Hotel Fasano do Rio). Quando o Lan Club foi inaugurado em novembro último, Starck foi a Pequim, cedendo entrevistas cronometradas de 15 minutos para a imprensa local. Uma das declarações foi: "Projetei esse bar em três horas de trabalho."

Há de tudo por lá. De entrada, um corredor espelhado com pencas de candelabros. Passa-se por fileiras de cristaleiras, recheadas com imagens de Buda, faisões empalhados, bolos de noivas e velas cristãs (com adesivos "Jesus Inside" e "Lúcifer 666"). No bar e pista de dança, o teto é preenchido por reproduções de quadros renascentistas.

Já na área do restaurante, cada mesa fica dentro de uma tenda mongol, afinal, para os chineses é chique jantar em áreas reservadas, sob o único olhar do garçom, que não sai do lado e enche o copo a cada gole dado. Há também uma sala de estar em estilo castelo inglês com luminares em forma de fuzil AR-15 e a já citada cabeça de rinoceronte.

Uma decoração tão exibida quanto seus freqüentadores, como se o amontoamento de objetos fosse um sinônimo da acumulação financeira da clientela. O país dirigido pelo partido comunista é o vice-campeão mundial do consumo de artigos de luxo (só perde para o vizinho Japão).

Há por lá até um evento conhecido como "Feira dos Milionários" - nome mais que escancarado, ao contrário do mercado similar no Brasil que se esconde sob o eufemismo de "produtos premium" -, que acontece em Xangai com venda de celulares com diamantes incrustados e chás de US$ 1.000 o quilo. É o tal "socialismo de mercado" em sua faceta mais glamorosa.

E o Lan Club, ocupando o quarto andar de uma das torres empresariais do distrito de Chayong, é uma miniatura dessa realidade, ao preço de 60 yuans a lata de cerveja (R$ 12). O fundo musical vem da cantora ao piano tocando "Garota de Ipanema" em portunhol ("Ola, que cosa mas linda"). Na pista de dança, as músicas são tão sem referências quanto alguém que acabou de enriquecer: Gipsy Kings, Abba, Shakira.

Por lá, um dirigente esportivo, todo engravatado, está atrás de sua flor do Oriente, uma chinesa saída de um filme de Wong Kar-wai. Como outros dois presentes, o cartola esqueceu a credencial, exigida só para recintos olímpicos, pendurada no pescoço. Talvez porque, nesses dias em Pequim, essas credenciais dão acesso também a outros lugares.

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